terça-feira, 20 de novembro de 2007

'Construção sustentável tem de ser boa e barata'

Entrevista

Thassanee Wanick: cônsul da Tailândia e presidente da ONG GBC Brasil

Renata Gama

A sustentabilidade na construção civil tem ganhado importância nos foros de discussão e virou mote de iniciativas da sociedade civil, como a da ONG internacional Green Building Council (GBC), que lançou um selo para diferenciar empreendimentos considerados “verdes”: o Leadership in Energy and Environmental Design (Leed). O certificado é o mais popular do mundo no setor e começa a ser adotado no Brasil. Seus critérios levam em consideração todos os processos construtivos sempre sob o ponto de vista do menor impacto na produção e manutenção dos empreendimentos. Recentemente instalada no País, a entidade GBC Brasil tem como presidente a ambientalista e cônsul tailandesa, Thassanee Wanick. Em entrevista exclusiva ao Estado, ela observa que o mercado imobiliário brasileiro parece estar sensível à questão. Este ano, o selo foi solicitado por 47 novos projetos. Ainda é pouco perto do tamanho do mercado nacional, mas Thassanee é otimista: “Daqui a dois anos, todos vão querer ter o Leed.” Será uma exigência do consumidor, aposta a diplomata. Mas segundo ela, o maior desafio para a sustentabilidade no Brasil não será convencer as empresas a investirem no verde e, sim, vencer a informalidade no setor da construção civil.

Como seria um prédio ideal do ponto de vista da sustentabilidade?

A construção sustentável tem de ser bem feita, boa e barata, usando os materiais com o maior respeito à natureza. Senão, não é sustentável. Prédios sustentáveis têm de ter ciclos de vida de baixo impacto desde o momento em que nascem até o momento em que são concluídos. Tem a ver, por exemplo, com a pedra que você extrai, o jeito que extrai e como usa. Tudo tem que ser feito com o menor impacto evitando o desperdício. A indústria de construção em média, no Brasil, tem cerca de 30% de desperdício e eu estou sendo até conservadora. Se você compra tudo isso, quebra, desfaz, não dá certo, vira lixo de indústria. Falta educação e treinamento dos funcionários.

O que é avaliado na certificação?

No projeto, a primeira coisa é a escolha do local. Se você escolhe um local que tem caimento natural para a água e com isso poupa dinheiro e não precisa interferir na terra, ganha uma pontuação. Você tem que aproveitar a topografia natural. Tem que olhar o lado do sol, por exemplo. Aproveitar a luz natural sem incomodar as pessoas que estão dentro, porque se uma sala fica com o sol torrando direto, você é obrigado a ligar o ar condicionado o dia inteiro. Tem que, por exemplo, usar também sabedoria local, a sabedoria indígena. Por que o telhado na Tailândia tem aquele formato triangular alto no meio e baixo do lado? Porque o ar quente sobe mandando o ar fresco dentro da casa. Com esse tipo de movimento do ar, você não precisa de máquina de ar condicionado. A sabedoria é muito importante. Afinal, nosso objetivo é conforto para o uso sem impacto ambiental e social forte. Impacto tem. No dia em que você nasceu já foi um impacto. Mas podemos usar a energia de forma inteligente. Se temos sol de graça, por que usar eletricidade para aquecer a água? Existem placas que podem captar a energia. E a água? Temos tanta chuva, por que não captar a água da chuva?

Pelo sistema de pontuação do Leed, tem-se a impressão de que há um incentivo para as construções feitas nas áreas metropolitanas. O Leed recomenda o adensamento urbano em vez do ao espraiamento?

Isso serve para que se use o máximo a infra-estrutura que já existe. Não é que se quer trazer tudo para as cidades mas, sim, tentar salvar as áreas verdes que ainda existem. Vamos renovar o ar da cidade sem poluir o de outro lugar. Tem empreendedores que vão construir em uma grande área na Mooca, por exemplo, em vez de investir numa área que ainda tem verde como Alphaville. É uma escolha. A reurbanização, o uso de espaços que já existem, que já foram destruídos, é importante.

Como a senhora avalia as construções brasileiras?

O problema da construção brasileira é o mesmo de todos os países emergentes: o trabalho informal. A pessoa contrata qualquer um para fazer uma reforma. A pessoa quer investir, daí compra um terreno, constrói uma casa, contrata quem não tem nem firma aberta. E os pequenos construtores são ainda muito atrasados. As grandes construtoras, que buscam ter tecnologia, obter certificados como o Leed, estão puxando a indústria inteira para a modernização. Futuramente, o consumidor mais educado, que tiver essas informações, vai exigir. A idéia que predomina hoje é que, no fim, é o preço que funciona. Mas para a construção sustentável, no fim, não tem custo maior, não.

Mas as empresas argumentam que o custo da construção sustentável pode ficar mais caro, em torno de 2% a 10%...

Mas tem retorno a longo prazo. Sabe por quê? Você gasta menos morando num prédio sustentável. É incrível a economia que se faz com o consumo de água e luz. Pelo menos de 30% a 40% nas contas. Além disso, no Brasil, um prédio de 25 ou 30 anos é considerado velho. Um prédio sustentável tem durabilidade de 40, 50 anos. Quando você compra um relógio na Rua 25 de Março não vai durar muito. Mas se você compra um relógio de uma marca como Technos ou Citizen vai durar. São marcas que custam não muito mais, não estou falando de um Rolex. Mas são de qualidade.

A certificação nasceu para prédios comerciais e agora se estende para os residenciais. É uma tendência mundial?

Já é fato nos Estados Unidos. Temos selo de certificação para construções de qualquer natureza. Em menos de três anos, os Estados Unidos pretendem ter um milhão de casas com o Leed. No Brasil, um ano e meio atrás, tinham dois projetos. No ano passado, eram oito. Este ano, já são 47 que estão entrando com pedido de certificação. Nem dá para fazer um gráfico direito. Está só subindo. Daqui dois anos, todos os prédios vão querer ter o Leed. Você está investindo para não deixar seu produto obsoleto, porque futuramente ninguém mais vai querer morar do jeito que está.

As exigências do Leed foram baseadas nas condições norte-americanas. No Brasil, elas precisam ser adaptadas?

Essas regras existem em Luisiana, Flórida, lugares quentes, como Califórnia, áreas desérticas. O que funciona lá também funciona aqui. A parte mais complicada é a energia. O Brasil já usa uma matriz energética considerada modelo internacional. Então, 80% já está correto. Mas serão necessárias algumas mudanças de pontuação para atender ao Brasil. Existem algumas coisas que a GBC Brasil está recomendando, que é tirar as pontuações fáceis e criar outras mais complicadas para incentivar investimentos na área social, educação e biodiversidade. Porque o Brasil tem uma biodiversidade muito grande no País inteiro que se não preservar terá muito problema.

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